06 junho 2014

Resposta a Revista Cult sobre Psicanálise e Religião

http://revistacult.uol.com.br/home/2014/05/freud-salva/



Considerações sobre a matéria da revista CULT número 190, mês de Maio 2014 sobre o Dossiê “Psicanálise e Religião – No divã com Jesus”.

Sou psicanalista desde 1997, formado por uma escola no Rio de Janeiro denominada Academia Brasileira de Psicanálise Clinica (ABPC) que encerrou suas atividades em 2000. Neste ano de 2000 fui convidado pela citada sociedade na referida matéria, a SPOB que abriu pelo Brasil, cursos de formação psicanalítica para todos que possuem graduação para coordenar em São Paulo uma turma de formação psicanalítica. Viajei pelo Brasil ministrando aulas e em diversos locais a turma era repleta de profissionais da saúde, como médicos, dentistas e enfermeiros. Em alguns locais era escasso o numero de pastores. Mas em outras, eles estavam presentes! No mesmo ano de 2000 a revista Veja me entrevistou editando de forma irresponsável o que eu havia dito na ocasião. Mas isso não vem ao caso aqui nesta minha carta aos senhores da revista CULT.
A propósito da questão que envolve religiosos na psicanálise e a tendência da matéria em negar a possibilidade, é peculiaridade do Brasil, que não consegue trabalhar o conceito espiritual e religioso sem desvincular a dogmática de cada instituição religiosa. Embora a matéria tenha sido ampla, a psicanálise não é a única visão sobre o homem e nem a única escola de formação sobre a funcionalidade da terapia. Jung por exemplo, conversa muito bem com a religião, pois tinha de “berço” o seu pai que era pastor, mas via nele a “incompetência” em dialogar com os postulados da fé, tal qual fazem hoje alguns pastores, que imbuídos de conteúdos formatados em seu inconsciente, sofrem de fobia em apenas considerar alguns textos bíblicos sem serem eles dogmáticos. 
Veja o exemplo do patriarca Abraão que pede para seu servo buscar uma esposa para seu filho Isaque, como meio de ser confortado da morte da mãe. O texto diz que Isaque coabita com Rebeca, sua esposa, na tenda da mãe. O que é isso, senão um complexo de Édipo? (Gn.24) No Novo Testamento vemos Jesus entrando no tanque de Betesda, lugar de muitos enfermos, perguntar a um enfermo há 38 anos, o que o sujeito quer. Parece pergunta idiota, mas na concepção de Jesus me parece que há pessoas que vivem da doença. (João 5)
No livro de Ezequiel 16.26 Deus diz que Israel se prostituiu depois de ser salva por Ele, trocando-lhe pelo Egito que tinha pênis grande. O próprio Deus usa a figura fálica para descrever o prazer pulsional de seu povo, mas o problema são os pastores pudicos que não podem ver tal fato por estarem cegados pela dogmática de cada instituição que não permite pensar “fora da caixa”.
A psicanálise Freudiana é uma formação, como temos a psicanálise Junguiana que por respeito a Freud, Jung não denominou assim a sua teoria, mas como Psicologia Analítica. Eu me pós graduei nela por entender que quem vê uma teoria só, não viu nenhuma. Jung conversa com a religião e vê nela não apenas os conteúdos sexuais, mas os arquetípicos. Temos também Eric Berne que nos ajuda a entender a dinâmica dos relacionamentos com sua teoria do Pai, Adulto e Criança. Temos Adler à segunda escola psicanalítica que mostra que o homem sofre de complexo de autoestima relacionada ao poder. O Viktor Frankl que nos apresenta o sentido da vida, permitindo assim superar as dificuldades, considerado com a Logoterapia, a terceira escola psicanalítica de Viena. Frankl tem um livro onde fala da presença ignorada de Deus no inconsciente de cada um. Dizer que fé e psicanálise são incompatíveis a meu ver é ignorância. Freud é o pai da psicanálise, mas outros já pensavam na mesma direção em seu tempo.
A psicanálise em consultório não se presta a dar aulas ao paciente, ou no espaço terapêutico ao cliente como gosta de chamar Jung. Mas de ouvir, permitindo assim na escuta psicanalítica sem julgamentos, que o sujeito perceba o que está lhe ocorrendo. Nesta dinâmica o mais importante não é o terapeuta saber do que o sujeito sofre, mas ele mesmo descobrir isso pela condução do profissional. É claro que o profissional precisa conhecer muito bem os sintomas, mas a escuta é mais importante que tudo.
Em meus 15 anos de atuação em psicanálise, meus maiores clientes são os oriundos de igrejas, que por elas, alguns foram neurotizados e outros não tiveram o espaço para falar sem serem julgados. Casamentos maus vividos por conta de não se ter na relação à verdadeira compreensão do outro e que não encontram nos gabinetes pastorais a escuta necessária para que se permita conhecer seus “fantasmas” e dialogar com eles. A formação pastoral muitas vezes é de cima pra baixo. Do tipo: - Aceita ou você é rebelde não convertido – O Que não ocorre quando se tem o conhecimento da psique!
Certa feita atendi um crente piedoso que sofria de pânico. Em nossas conversas, investiguei se ele havia sofrido repressão na infância de forma traumática. Contou-me, e havia lembrado ali no consultório, que muito pequeno, andando com seu pai pela rua, pegou um preservativo usado e seu pai, ao ver isso, lhe bateu na mão dizendo que aquilo era sujo. Vivenciando esta experiência reprimida, internaliza a visão de que sexo é sujo, logo, é pecado, se é pecado, Deus odeia. Em seu casamento, ele surta com todos os sintomas do pânico lhe impossibilitando de vivenciar as delicias do sexo com sua esposa e até este momento comigo, era assombrado não lhe permitindo ser livre. Tinha em seu matrimônio um arquétipo sujo introjetado por seu pai e Deus na sua fé é o pai maior. Problema funcionando de maneira inconsciente!
Eu acho “engraçado” o pastor dogmático aconselhar o membro de sua igreja a procurar um médico quando se tem problemas de saúde física e não aceitar a procura de um profissional de saúde mental, pois muitos acreditam que este quesito, é resolvido pela oração ou pelo discipulado. Creio neles, não os nego, inclusive os pratico, mas por que não incluí-los na sessão e deixar de insistir em dicotomizar as coisas? A vida é um todo e o todo está na vida! No meu entender, tanto Freud quanto Jung e os outros, não inventaram nada, apenas os identificaram nas vidas.
A terapeuta alemã Hanna Wolff em seu livro “Jesus Psicoterapeuta” editora Paulinas, diz que percebia uma melhora em seus pacientes quando ela citava histórias bíblicas. Citar histórias bíblicas não é o mesmo que citar histórias gregas, literárias e etc.?
A questão é que quando se fala de Deus, Jesus ou mesmo de Bíblia, estamos falando de religião e esse era o problema que Viktor Frankl acreditava ser complicado principalmente no Ocidente que não sabe trabalhar a espiritualidade desprovida de religião. O próprio Jesus não era religioso e nem fundou o cristianismo. Jesus era judeu e judeu cultural, muito mais do que religioso.
Certa feita atendi uma mulher agressiva, que de propósito a encaminhei para um pastor conselheiro de crenças noutéticas, critico de práticas psicológicas na igreja. Dias depois me telefonou para dizer que não conseguia êxito com a mulher. Claro que não conseguiria, pois o problema dela não era de ordem moral, mas psiquiátrico. Encaminhada para um psiquiatra para ser medicada e em terapia, ela melhorou e pode expressar melhor a sua fé.
Bem, teria eu diversas outras considerações a fazer sobre a matéria, mas não sendo oportuno, as apresento somente estas.