Recentemente recebi por email um texto do Ricardo Gondim que muito me falou. Falou-me porque percebi que sua “queixa” tem eco na minha e deverá ter na sua também.
Antes de você o ler, quero dar minha contribuição ao texto.
Sendo pastor, muitas pessoas se aproximaram e se aproximam de mim, mas na maioria delas foi para tirar proveito. Proveito no bom sentido! Proveito bíblico, aconselhamento e talvez por achar que sou espiritual. Perto de mim acreditam que ficarão um pouco mais ungidos. Outros foram por conta do “falso poder” eclesiástico que em suas imaginações eu poderia dar espaço e crescimento aos seus sonhos pessoais. Como disse muito bem o Gondim, eu também como ele, às vezes em minhas reflexões torno-me duro e amargo nos comentários e depois disso os amigos se revelam me deixando a falar sozinho. No meu entendimento amigo verdadeiro suporta meus contratempos e dissabores. Amigos verdadeiros entendem que também falo besteira e comentários infelizes. Também advogo com o Gondim de que entre amigos posso dizer o que penso sem reservas, mas... ao longo desse tempo quebrei a cara. Bem... ou quebrei a cara ou ainda não tive amigos.
Muitos me procuravam quando minha igreja tinha bons recursos, e a todos ajudei. Me lasquei! Hoje, nenhum deles está por aqui ou por perto. Quando há doces as moscas aparecem! A natureza nos ensina!
Um dia, achei que tinha encontrado o amigo verdadeiro. As conversas entre nós eram muito íntimas e confidenciais. Recebi dele muita ajuda e admiração, mas não sei se foi mordido pela chamada mosca azul ou suas neuroses foram mais fortes que minhas demonstrações de amizade, mas o que sei é que nossa amizade durou até o dia em que disse o que pensava num determinado momento, não o tempo todo, mas num momento. Desgraça minha! O que disse tornou-se fel na mente dele. Rompimento sem volta, mesmo depois de eu tentar de tudo, ou quase tudo, não o tive de volta. Amigo ferido ou nunca amigo? Não sei. Mas não posso ser ingrato. Tenho outros antigos e outro novo. Mas só o tempo dirá se são mesmos.
Vamos ao texto do Gondim, pois com ele o meu fará um pouco mais de sentido.
Procuram-se amigos
Riardo Gondim
Quando eu era menino, mamãe me aconselhava a tomar cuidado com os meus amigos. Depois, quando cresci mais, papai repetiu o surrado provérbio: “Dize-me com quem andas e te direi quem és”. Passados vários anos e com tanta água sob pontes e viadutos, não consigo avaliar se consegui obedecê-los. Sinto, porém, que preciso achar novos amigos.
Cheguei à meia idade bem decepcionado com a palavra Amizade. Esfolei os joelhos nos desdéns, aprofundei as ranhuras da cara com decepções e perdi tufos de cabelo com traições. Mas mesmo assim, reluto; não posso tornar-me cético, sei que devo manter-me próximo de amigos verdadeiros - Isso não é fácil!
Faz pouco tempo, devido à internet, encontrei um colega (já não posso chamar-lhe de amigo) - estranho, eu o considerava um "irmãozão". Havíamos perdido o contato há alguns anos. Redigi e mandei-lhe uma mensagem cheia de afeto e saudade. Na verdade, eu estava carente, necessitado de vínculos leais. Tal como um doente que aperta a campainha da UTI, desesperado pelo socorro do médico, eu clamava por sua atenção. Arrazado, amarguei uma resposta horrível. Ele candidamente agradeceu a “carta eletrônica” e não hesitou em propor que, daquele dia em diante, compartilhássemos esboços de sermão. Quase chorei. A última coisa que eu precisava era um “esqueleto” de pregação.
Entretanto, mesmo amealhando decepções, insisto em garimpar amigos.
Quero ser amigo de quem valoriza a lealdade. Quando papai esteve preso, o estigma de subversivo grudou nele. Um dia, ele me contou com lágrimas nos olhos que vários ex-colegas da Aeronáutica desciam a calçada para não se verem obrigados a cumprimentá-lo. Guardo esse trauma e, sinceramente, não consigo lidar com amizades de conveniência.
Preciso acreditar em amizades que não se intimidam com censuras, que não retrocedem diante do perigo e que não abandonam na hora do apedrejamento. Amigos não desertam.
Quero ser amigo de quem eu não deva me proteger, mas que também não se sinta acuado e com medo de mim. Não creio em companheirismo lotado de suspeita. Grandes amigos são vulneráveis; conversam sem cautela; sentem-se livres para rasgar a alma e sabem que confidências e segredos nunca serão jogados no ventilador da indiscrição. Amigos preferem proteger os amigos a defender normas, estatutos e leis.
Quero ser amigo de quem não se melindra com facilidade. Eu me conheço, sei que piso em calos. Agrido com meus silêncios. Uso a introspecção para tecer comentários ácidos e impensados. Às vezes quanto mais tento, mais me mostro tosco. Vou precisar de amigos que tolerem as minhas heresias, hesitações e pecados. Dependo de que suportem o baque de minhas inadequações, e que sejam teimosos em me querer bem.
Quero ser amigo, não simples parceiro de vocação. Já preguei em igrejas em que o pastor, depois da programação, se despediu de mim na calçada do aeroporto e nunca mais tive notícias dele ou da igreja. Não vou colocar o meu nome em conferências ou congressos que só me querem para divulgação. Recuso-me a reforçar eventos que engradecem pessoas ou instituições, mas não criam vínculos de carinho ou de cuidado.
Já não aguento abraços coreografados. Manifestações artificiais de coleguismo, me enfadam. Tornou-se ridículo para mim testemunhar pessoas dizendo "somos uma só família em Cristo" e depois vê-las alfinetando os "irmãos" com comentários venenosos.
Amizades certinhas, alimentadas por pieguismo e textos re-encaminhados de power-point, já não dizem muita coisa. Quanta preguiça e descuido jazem nas entrelinhas dos cartões de aniversário com frases prontas. Verdadeiros amigos sabem que seus sentimentos são preciosos e como é valioso compartilhá-los. Amizades superficiais são mais danosas do que inimizades explícitas.
Quero ser amigo de quem não tem necessidade de parecer certinho. Não tolero conviver com quem nunca tropeça nos próprios cadarços ou que jamais admitiu ter sonhos eróticos. Ando cauteloso com quem se arvora de ter a língua sob controle absoluto.Vez por outra preciso relaxar, rir do passado, sonhar maluquices para o futuro e conversar trivialidades.
Necessito de amigos que se deliciam em ouvir a mesma música duas vezes para perceber as sutilezas da poesia. Como é bom encontrar um velho camarada e comentar aquele filme que a gente acabou de assistir. Adoro partilhar pedaços do último livro que li. Vale contar com amigos que numa mesma conversa, elogiam ou espinafram políticos, pastores, atores, árbitros de futebol. Não existe preço para riso ou lágrima que vem da poesia.
Quero terminar os dias e poder afirmar que, mesmo desacreditado das ideologias, dos sistemas econômicos e das instituições religiosas, jamais negligenciei a minha melhor fortuna: meus bons e velhos amigos. Contudo, ainda desejo encontrar mais amigos.
Soli Deo Gloria.
20-07-10
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