14 maio 2007

A Alma católica dos evangélicos no Brasil

Os evangélicos no Brasil nunca conseguiram se livrar totalmente da influência do Catolicismo Romano. Por séculos, o Catolicismo formou a mentalidade brasileira, a sua maneira de ver o mundo, (“cosmovisão”). O crescimento do número de evangélicos no Brasil é cada vez maior – segundo o IBGE, seremos 40 milhões neste ano de 2006 – mas há várias evidências de que boa parte dos evangélicos não tem conseguido se livrar da herança católica.
É um fato que a conversão verdadeira (arrependimento e fé) implica uma mudança espiritual e moral, mas não significa necessariamente uma mudança na maneira como a pessoa vê o mundo. Alguém pode ter sido regenerado pelo Espírito e ainda continuar, por um tempo, a enxergar as coisas com pressupostos antigos. É o caso dos crentes de Corinto, por exemplo. Alguns deles haviam sido impuros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e roubadores. Todavia, haviam sido lavados, santificados e justificados “em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Co 6.9-11), sem que isso significasse que uma mudança completa de mentalidade houvesse ocorrido com eles. Na primeira carta que lhes escreve, Paulo revela duas áreas em que eles continuavam a agir como pagãos: na maneira grega dicotômica de ver o mundo dividido em matéria e espírito (que dificultava a aceitação entre eles das relações sexuais no casamento e a ressurreição física dos mortos – capítulos 7 e 15) e o culto à personalidade mantido para com os filósofos gregos (que logo os levou a formar partidos na igreja em torno de Paulo, Pedro, Apolo e mesmo o próprio Cristo – capítulos 1 a 4). Eles eram cristãos, mas com a alma grega pagã.
Da mesma forma, creio que grande parte dos evangélicos no Brasil tem a alma católica. Antes de passar às argumentações, preciso esclarecer um ponto. Todas as tendências que eu identifico entre os evangélicos como sendo herança católica, no fundo, antes de serem católicas, são realmente tendências de nossa natureza humana decaída, corrompida e manchada pelo pecado, que se manifestam em todos os lugares, em todos os sistemas e não somente no Catolicismo. Como disse o reformado R. Hooykas, famoso historiador da ciência, “no fundo, somos todos romanos” (Philosophia Liberta, 1957). Todavia, alguns sistemas são mais vulneráveis a essas tendências e as absorvem mais que outros, como penso que é o caso com o Catolicismo no Brasil. E que tendências são essas?

1) O gosto por bispos e apóstolos – Na Igreja Católica, o sistema papal impõe a autoridade de um único homem sobre todo o povo. A distinção entre clérigos (padres, bispos, cardeais e o papa) e leigos (o povo comum) coloca os sacerdotes católicos em um nível acima das pessoas normais, como se fossem revestidos de uma autoridade, um carisma, uma espiritualidade inacessível, que provoca admiração e o espanto da gente comum, infundindo respeito e veneração. Há um gosto na alma brasileira por bispos, catedrais, pompas, rituais. Só assim consigo entender a aceitação generalizada por parte dos próprios evangélicos de bispos e apóstolos autonomeados, mesmo após Lutero ter rasgado a bula papal que o excomungava e queimá-la na fogueira. A doutrina reformada do sacerdócio universal dos crentes e a abolição da distinção entre clérigos e leigos ainda não permearam a cosmovisão dos evangélicos no Brasil, com poucas exceções.
2) A idéia de que pastores são mediadores entre Deus e os homens – No Catolicismo, a Igreja é mediadora entre Deus e os homens e transmite graça divina mediante os sacramentos, as indulgências, as orações. Os sacerdotes católicos são vistos como aqueles através de quem essa graça é concedida, pois são eles que, com as suas palavras, transformam, na Missa, o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo; que aplicam a água benta no batismo para a remissão dos pecados; que ouvem a confissão do povo e pronunciam o perdão dos pecados. Essa mentalidade de mediação humana passou para os evangélicos, com poucas mudanças. Até nas Igrejas chamadas históricas, os crentes brasileiros agem como se a oração do pastor fosse mais poderosa do que a deles e como se os pastores funcionassem como mediadores entre eles e os favores divinos. Esse ranço do Catolicismo vem sendo cada vez mais explorado por setores neopentecostais do evangelicalismo, a julgar por práticas já assimiladas como “a oração dos 318 homens de Deus”, “a prece poderosa do bispo tal”, “a oração da irmã fulana, que é profetisa”, etc.
3) O misticismo supersticioso no apego a objetos sagrados – O Catolicismo no Brasil, por sua vez influenciado pelas religiões afro-brasileiras, semeou misticismo e superstição durante séculos na alma brasileira: milagres de santos, uso de relíquias, aparições de Cristo e de Maria, objetos ungidos e santificados, água benta, entre outros. Hoje, há um crescimento espantoso, entre setores evangélicos, do uso de copo d’água, rosa ungida, sal grosso, pulseiras abençoadas, pentes santos, do kit de beleza da rainha Ester, peças de roupa de entes queridos, oração no monte, no vale; óleos de oliveiras de Jerusalém, água do Jordão, sal do Vale do Sal, trombetas de Gideão (distribuídas em profusão), o cajado de Moisés...é infindável e sem limites a imaginação dos líderes e a credulidade do povo. Esse fenômeno só pode ser explicado, ao meu ver, por um gosto intrínseco pelo misticismo impresso na alma católica dos evangélicos.
4) A separação entre o sagrado e o profano – No centro do pensamento católico existe a distinção entre natureza e graça, idealizada e defendida por Tomás de Aquino, um dos mais importantes teólogos da Igreja Católica. Na prática, isso significou a aceitação de duas realidades coexistentes, antagônicas e freqüentemente irreconciliáveis: o sagrado, substanciado na Santa Igreja, e o profano, que é tudo o mais no mundo lá fora. Os brasileiros aprenderam durante séculos a não misturar as coisas: sagrado é aquilo que a gente vai fazer na Igreja: assistir Missa e se confessar. O profano – meu trabalho, meus estudos, as ciências – permanece intocado pelos pressupostos cristãos, separado de forma estanque. É a mesma atitude dos evangélicos. Falta-nos uma mentalidade que integre a fé às demais áreas da vida, conforme a visão bíblica de que tudo é sagrado. Por exemplo, na área da educação, temos por séculos deixado que a mentalidade humanista secularizada, permeada de pressupostos anticristãos, eduque os nossos filhos, do ensino fundamental até o superior, com algumas exceções. Em outros países, os evangélicos, têm tido mais sucesso em manter instituições de ensino que, além de serem tão competentes como as outras, oferecem uma visão de mundo, de ciência, de tecnologia e da história oriunda de pressupostos cristãos. Numa cultura permeada pela idéia de que o sagrado e o profano, a religião e o mundo, são dois reinos distintos e freqüentemente antagônicos, não há como uma visão integral surgir e prevalecer, a não ser por uma profunda reforma de mentalidade entre os evangélicos.
5) Somente pecados sexuais são realmente graves – A distinção entre pecados mortais e veniais feita pelo catolicismo romano vem permeando a ética brasileira há séculos. Segundo essa distinção, pecados considerados mortais privam a alma da graça salvadora e a condenam ao inferno, enquanto que os veniais, como o nome já indica, são mais leves e merecem somente castigos temporais. A nossa cultura se encarregou de preencher as listas dos mortais e dos veniais. Dessa forma, enquanto se pode aceitar a “mentirinha”, o jeitinho, o tirar vantagem, a maledicência, etc., o adultério se tornou imperdoável. Lula foi reeleito cercado de acusações de corrupção. Mas, se tivesse ocorrido uma denúncia de escândalo sexual, tenho dúvidas de que teria sido reeleito por uma margem tão grande. Nas Igrejas Evangélicas – onde se sabe pela Bíblia que todo pecado é odioso e que quem guarda toda a lei de Deus e quebra um só mandamento é culpado de todos – é raro que alguém seja disciplinado, corrigido, admoestado, destituído ou despojado por pecados como mentira, preguiça, orgulho, vaidade, maledicência, entre outros. As disciplinas eclesiásticas acontecem via de regra por pecados de natureza sexual, como adultério, prostituição, fornicação, adição à pornografia, homossexualismo, etc., embora até mesmo esses estão sendo cada vez mais aceitáveis aos olhos evangélicos. Mais um resquício de catolicismo na alma dos evangélicos?
O que é mais surpreendente é que os evangélicos no Brasil estão entre os mais anticatólicos do mundo. Só para ilustrar (e sem entrar no mérito dessa polêmica), o Brasil é um dos países onde convertidos do catolicismo são rebatizados nas Igrejas Evangélicas. O anticatolicismo brasileiro, todavia, se concentrou apenas na questão das imagens e de Maria e em questões éticas como não fumar, não beber e não dançar. Não foi e não é profundo o suficiente para fazer uma crítica mais completa de outros pontos que, por anos, vêm moldando a mentalidade do brasileiro, como mencionei acima. Além de uma conversão dos ídolos e de Maria a Cristo, os brasileiros evangélicos precisam de conversão na mentalidade, na maneira de ver o mundo. Temos de trazer cativo a Cristo todo pensamento, e não somente os nossos pecados. Nossa cosmovisão precisa também de conversão (2 Co 10.4-5)
Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais católicas de usar no culto de Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas, me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neocatolicismo tardio que surge e cresce em nosso país, onde até os evangélicos têm alma católica.
Rev. Augustus Nicodemus

3 comentários:

Anônimo disse...

A igreja evangélica tem origem a partir da igreja católica.John Calvin foi um padre católico. Martin Luther também .Existem igrejas calvinistas, luteranas e etc. Obviamente muito da liturgia evangélica foi herdada da católica.
É natural que muitos aspectos sejam iguais. Sabendo que todas as igrejas têm problemas podemos observar que muito do que foi "protestado" por Wycliffe, Calvin e etc, não está mais presente na igreja católica.Logo, a igreja católica têm muitos aspectos positivos ignorados pelos evangélicos. Deveríamos nos unir para o que realmente interessa : Cristo !!

Anônimo disse...

Boa Noite,

Pertenço a uma igreja evangelica a varios anos e tenho chegado a seguinte conclusão .O Evangelho pregado nelas é um evangelho que oprime um evangelho vivido na velhice da letra que nos masacra . Alguns pentecostais são considerados super espirituais pelo barulho que fazem outras pessoas por vezes de personalidades mais retraidas são excluidas sistematicamente.
Vivemos um evangelho conceitual muito distante dopregado por Cristo .
Jesus não julgo humilhante ser semelhante a nós pecadores ,mas nos somos habituados a julgar econdenaar pecaddoss especialmente os sexuais. Nao nos julgamos semelhantes a estas pessoas que sofrem.

Valeu Meu desejo éque a igreja acorde de sua visão distorcida.

E acorde pra Deus.

Cleidiane A de Quadra.
E-mail- cleidiane@masterfarma.com.br

Bebeto disse...

Queridos, gostaria de antes de mais nada, expor minha concordância completa e integral com o pastor Augustus Nicodemus, que na minha humilde opinião, é um homem com grande visão do reino de Deus!
Gostaria também de concordar com o Klaus, na conclusão do seu texto, quando diz que o que realmente interessa é Cristo. Isso é verdade, e creio que em momento nenhum do seu texto, o pastor discordou ou foi de encontro a sua posição Klaus. Apenas é forçoso entender, que não obstante existam sim muitos aspectos positivos na igreja Católica Apostólica Romana, o centro de tudo, a base de fé, carece de consistência e substância, quando permite exatamente aquilo que o pastor comenta no seu texto. A dicotomia explícita. A separação entre o humano, e o sagrado. E tantas vezes, o que é humano ou advindo das tradições da igreja, sobrepuja o que é espiritual, e confere caráter secundário ao espiritual. É patente que o canon católico, assim como alguns dogmas papais, são para a igreja católica, regra de fé e prática. Não entrarei no mérito da questão, mesmo porque são questões sabidas, discutidas e calaramente divergentes entre as visões "evangélica" e "católica", se assim podemos identificá-las.
Note-se, que não estou fazendo apologia a qualquer religião, mesmo porque reconheço as falhas existentes no meio das igrejas ditas evangélicas, ainda que sendo um deles, e não é diferente com o que o querido pastor discorreu no seu texto. Aliás, exatamente o que ele fez, foi trazer a luz para discussão, uma série de erros e falhas notados e nem assim aceitos, no meio dos evangélicos professos.
Para concluir, concordo ainda com você quando diz que "muito do que foi protestado por Wycliffe, Calvino e etc, não está mais presente na igreja católica". Mas infelizmente, o ponto nevralgico da Reforma Protestante, é um dos pontos do que cremos hoje: Sola Scriptura. O que passa disso, ou o que é menos do que isso, claramente não é Bíblico, carece de fundamentação teológica. E é bom ressaltar que, ainda que possam servir pra comover, experiências pessoais que não estão expressamente contidas nas escrituras sagradas, como aparição de supostos santos ou santas, ou outros "milagres", ainda que "profundamente" avaliados e pesquisados pela igreja católica, sem a devida fundamentação bíblica, no aspecto espiritual ou mesmo na tecnicidade da teologia formal, deve ser profundamente questionado, para que não incorramos no erro de nos misturarmos com as crendices populares advindas das religiões ocultistas que se enraizaram no nosso povo, e no nosso país.
Conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido, é extremamente simples, e ao mesmo tempo extremamente complexo. Simples, porque Ele se revela a nós através de Sua Palavra escrita. Complexo, porque não nos basta ouvir falar, cabe a nós, assim como coube aos crentes de Beréia, consultar dia e noite a palavra, para ver se está conforme nos relata o "pregador".
Deus nos abençoe a todos,
a Paz do Senhor envolva a cada um de nós!
Adalberto Cardeal
acardeal@hotmail.com