11 junho 2007

A justiça de Nero

Quando pessoas supostamente ofendidas pelas palavras de um articulista se reúnem para mover um processo contra ele, pode ser que tenham intenção legítima. Quando, porém, planejam a instauração simultânea de milhares de processos separados, então o intuito, claramente, é o de arruinar a vida do réu, paralisar pelo terror quem pense como ele e, sobretudo, pressionar a opinião pública. No caso do bombardeio de ações judiciais arquitetado pelo movimento gay contra Dom Eugênio de Araújo Sales, a Defensoria Homossexual de São Paulo não esconde seu propósito de utilizar a justiça como instrumento de coação. "Na Argentina esse procedimento funcionou muito”, afirma um dos promotores da iniciativa: “Os grupos escolhiam cerca de cinco inimigos (julgados ‘homofóbicos') e abriam processos dizendo-se pessoalmente ofendidos. Isso fez o Legislativo enxergar a comunidade como um grupo muito bem articulado para prejudicar a imagem dos políticos e do país.” Não se trata, pois, de uma legítima reparação de danos, e sim de um ato publicitário destinado a chantagear um terceiro.

Mas isso não é tudo.

O que Dom Eugênio escreve é o que está na Bíblia, é o que a Igreja vem repetindo há dois mil anos e o judaísmo há cinco mil. São idéias que educaram a espécie humana e criaram civilizações inteiras. Ele não inventou nada disso e não aderiu a isso por diversão nem cobiça. Aderiu porque acreditava que as lições da Bíblia eram para o bem da humanidade, que justificavam uma vida de esforços ascéticos e o supremo sacritífio do celibato.

Já seus detratores falam em nome do que? Do homossexualismo. Que é homossexualismo? É uma “opção”, como eles mesmos dizem, um modo entre outros de obter gratificação sexual. Afeição entre indivíduos do mesmo sexo não configura homossexualismo. Este só entra em cena quando ao menos um dos envolvidos vê o corpo do outro como objeto de desejo e sonha em entregar-se com ele a práticas homoeróticas. Mesmo supondo-se que essas práticas sejam perfeitamente decentes, ninguém pode alegar que se dedica a elas por abnegação, por idealismo ou por qualquer outra razão meritória. Ninguém faz essas coisas para dar de comer aos pobres, amparar os aflitos, socorrer os doentes ou dar aos moribundos a esperança da ressurreição – ninguém as faz por aquelas razões que levam um ser humano a tornar-se padre, rabino, pastor. Faz porque acha gostoso, e ponto final. E toda escolha de gosto implica, como corolário incontornável, a liberdade de não gostar. A liberdade de achar ruim, feio e repugnante aquilo que os homossexuais acham bom e lindo e delicioso. Por definição, o que é objeto de desejo para um pode ser motivo de repulsa para outro. Querem ver?

“Um nojo. Uma aberração. Me dá vômito. Por que não vão fazer isso em outro lugar? Não vim aqui para ver uma coisa dessas.” Se você dissesse isso de dois barbudos vistos aos beijos e afagos num shopping center , diante de velhinhas e crianças, não escaparia de ser denunciado como criminoso. No caso citado, não há perigo de que isso aconteça: colhi essas palavras num site de homossexuais, proferidas contra as travestis e transexuais que pretendiam -- audácia! -- ser admitidas no recinto sacrossanto das saunas gays , ofendendo a delicada sensibilidade visual dos homossexuais ortodoxos. Comentando a disputa, o sr. Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, afirma que ambos os lados são “igualmente respeitáveis”. A expressão de repulsa, como se vê, é uma atitude decente quando brota da preferência sexual. Se vem de convicções morais ou do amor a Deus, é um crime.

Por absurda que seja essa situação, ela não é uma novidade na História. No tempo de Nero e Calígula, as diversões homossexuais dos imperadores estavam sob a proteção da lei, enquanto o cristianismo e o judaísmo mal eram tolerados.

Esse padrão de julgamento ainda não é instituição no Brasil, mas o critério moral que o inspira já é dominante na nossa cultura. Quando uma nova moral se dissemina entre as classes letradas, tornar-se lei é apenas questão de tempo. Ainda viveremos sob a justiça de Nero.

Olavo de Carvalho
O Globo, 24 de julho de 2004

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